segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Mina caía e desabava sobre si mesma, atraída para um grande vórtice no seu centro que tudo parecia consumir, e Miguelti sentia, procurando fugir à escuridão com os seus pés a sentir as depressões do chão a racharem e a abrirem e pedras e rochas misturadas com água a rasarem-lhe as orelhas e a molhar-lhe a capa,

TIGRE AZUL PARTE FINAL

enquanto procurava apenas um filão de luz desencontrado com o seu olhar para procurar acreditar, ainda, que era possível escapar a um lugar que tinha a saída bloqueada, centenas, milhões de metros e eras acima dos lugares onde se encontrava, passou pela sala da estátua com a cabeça rebentada de estilo índico que, agora, se afundava num lago que subia rapidamente pelo chão, com as estalactites mais altas a caírem como espigões de pedra , criando ondulações entre o familiar, inquietante borbulhar do subir das águas Miguelti desprendeu a capa dos ombros que o estava a puxar para baixo, e conseguiu trepar para um pilar partido ao meio repousado contra uma das paredes de uma galeria que se desfragmentava. Ao tentar desviar-se de uma estalactite que quebrou o pilar em dois bocados principais foi atirado à agua e arrastado num redemoinho de um lado para o outro indo parar ao fundo da mesma, agora submersa com rachas para outros pisos inferiores que sugavam a água revolta, abriu a custo os olhos. !Não havia esfinges nem lugares perdidos no céu. A maré atirou-o de novo de um lado para o outro, como se a água estivesse a ser impelida por forças que Miguelti – claro – não poderia perceber. A frustração dessa ideia instalou-se apenas quando a enxurrada o deixou numa outra galeria inclinada – como se a Mina estivesse a cair, ela própria, para as profundezas – e tentou levantar-se ensopado, para continuar a correr em frente e não morrer Vivelti estava a fugir ainda do pomar e da imagem do pântano das escuridões ocres e rastejou de novo pela fissura de onde saíra e sentiu a terra tremer. A escuridão azul-escura que vira tremeluzia como se estivesse, à sua maneira, a ser rasgada, até desaparecer num rasgão de luz. De imediato as paredes da galeria começaram a ganhar rachas que alastravam até ao chão;, pequenos fragmentos do tecto caíam-lhe na testa e criavam fios verticais de pó.
- Foda-se, o que... o que é isto?
Já não havia qualquer cidade projectada nas paredes que se esfarolavam deixando penetrar finos esguichos de água das paredes e mais rocha que devorava a própria rocha. Vivelti apenas correu, passou por vários ecos de lugares que, confusos, empurravam-se uns aos outros em espirais conceptuais tentando fugir ás paredes da Mina que iam desabando indiferentes a elas e assim acabavam, tão simplesmente, tudo arrastavam e reduziam a mais rocha e escombros. A Mina devorava-se, destruía-se voltando à rocha que a formara. As cores e os sítios povoados nas profundezas em si desvaneciam-se ou, silenciosos, reagiam à sua maneira ás suas destruições iminentes, voltando à sua escuridão primordial/às suas escuridões primordiais. Vivelti foi atirado contra uma parede
- BLLEAARGHURGHJ!!!
Por uma súbita torrente de água que passou por ele e desapareceu afundando-se entre as rochas e alguns – eram pilares que caíam,? Porra, levanta-te!, Sentia o seu sangue contra o peito e na respiração enquanto se desviava com as mãos por cima da cabeça das estalactites que desabavam desamparada e passou por todas as aberturas que conseguia encontrar, caminhando para cima, para cima, com os tectos e o chão a desabarem atrás e à frente de si implacavelmente e
Foi aí que os dois rapazes se encontraram, lado a lado fugindo à torrente de água que queria engolir toda a Mina e a própria Mina a desabar à volta deles,
- Miguelti?
- Vivelti! – Ambos os rapazes corriam com as mãos por cima das cabeças, agarrando por vezes as sacolas para lhes servirem de protecção contra a queda das pedras – Temos que sair daqui, onde é a saí
- Não sabes onde é a saída?! – Praticamente gritavam, Miguelti deu a mão a Vivelti para treparem por uma abertura na parede para irem simplesmente para um lugar desconhecido! –, Então mas onde? –
- De onde vens tu? – Miguelti e Vivelti olhavam um para o outro em intervalos demasiado curtos e o sítio onde estavam desabava como os outros, os rapazes podiam sentir as pedras a rasparem-lhe os calcanhares na queda e o chão a ceder sobre o impacto dos pés que os impulsionavam em corrida, Miguelti passou à frente de Vivelti por um corredor estreito que começava a comprimir-se até deixar de existir
QUAL É
A
RES P
OST
A
Os dois rapazes olharam – tinham de estacar, era inevitável, enquanto os cabelos molhados lhe escorriam pela cara e o peso das roupas lhes vergava as costas – para o ponto de onde tinha saído a voz da Hetero-Esfinge, de uma abertura irregular que não se sabia se pertenceria a uma das paredes ou a uma protuberância do solo composto por pedras e rochas quebradas numa abertura circular irregular, estando ela voando em suspenso no ar e a seus pés Tupac a trepar para cima dessa abertura, enquanto a água corria velozmente mesmo perto dos seus pés num autêntico rio selvagem subterrâneo, e não havia lugar para onde ir a não ser – Tupac saltou começando a afogar-se mas conseguindo agarrar-se a outra plataforma perene de rochas enquanto a esfinge fazia vibrar o seu bastão pronta para o destruir enquanto questionava
- Meu, é a Hetero-Esfinge – disse Miguelti.
- Eu sei – respondeu Vivelti.
O QUE HÁ
NO CENTRO DE
UM Q
UASA
R
Tupac pôs-se muito direito, com dificuldades, na plataforma de detritos que ameaçava ser arrancada a qualquer momento pelas águas furiosas – ou por um pedaço de tecto das novas e recentes galerias que se criavam e acabavam à velocidade da destruição da própria Mina. Parecia ainda não ter visto os dois rapazes, nem parece ter ouvido o Miguelti quando este gritou “Não, pára Tupac, não digas nada!” quando olhou para a Hetero-Esfinge.
- Sabes que mais? Estou há anos a fugir de ti sempre a responder correctamente no último momento a perguntas às quais nunca soube a resposta! – O seu corpo tremia de frio, os seus pés balançavam em cima do montículo de pedras – Sabes que mais? Estou farto desta merda toda, e não é agora que a Mina está finalmente a ser destruída que vais fazer alguma – portanto a minha resposta é: VAI-TE FODER!
Imediatamente Tupac foi incinerado pelo raios oculares da Hetero-Esfinge numa estátua de poucos segundos composta por osso liquidificado e medula a borbulhar, caindo de seguida. Os rapazes ficaram por momentos sem fala perante tal brutal assassinado.
- Viste aquilo? – Perguntou Vivelti.
- Vi! – Respondeu Miguelti – A esfinge matou o Tupac!!
A Hetero-Esfinge impassível começou de novo as suas manobras aéreas para desaparecer com elegância pelo buraco por onde tinha vindo. Não olhou para eles – terá olhado? E, num final mortal para trás, enquanto voava, desapareceu, de costas para eles, desvanecendo-se na destruição da Mina. E claro, não mais foi vista, nunca mais. Desapareceu. Os dois rapazes precisaram de algum momento para perceberem de novo o – iminente – perigo de vida que corriam. Começaram de novo a trepar e a tentarem fugir enquanto galerias desabavam por cima dos dois pela violência das águas e a ideia de saírem desaparecia com o desabar incomplacente da Mina.
- Estamos mortos Miguelti, estamos mortos –
Mas correndo sem nexo e trepando pelos buracos, sempre para cima, que encontravam, um dos próprios corredores alargou-se noutro e por baixo dos seus pés na corrida desordenada os rapazes começaram a sentir uma linha dura paralela ao chão com ondulações e desvios, era o carril que – o carril, os rapazes – reaparecia e conseguiu enchê-los de esperança quando olharam um para o outro em sinal de entendimento mútuo, sinal de que estariam no caminho certo, o corredor subia, subia, e Miguelti adiantou-se e gritou, a Vivelti, podendo jurar que
- Acho que estou a ver uma luz ao fundo do túnel
!Passaram por um corredor lateral – tudo se abria agora, parecia tão certa já a fuga – ao corredor onde a terra e a rocha tinham cedido. Tinham conseguido escapar à maior destruição da Mina, mas ela atrás de si desabava, ia abater e perder-se, e continuando a correr passaram pelos barris de fruta deixados à entrada da Mina, e a luz da Lua contra a noite atrás do cemitério onde tinham entrado, a doce luz da Lua quando se atiraram ao chão e saíram da Mina! – O chão tremia ainda por baixo deles quando se atiraram ao chão, castanhos dos pés à cabeça, e arfaram, arfaram sentindo que tinham voltado à vida. Mas e o Professor Struttermutter?
- O Professor Struttermutter – disse Miguelti, tendo-se apercebido da terrível realidade – ele ainda está lá dentro, –
- O professor! – Vivelti levantou-se atrás de Miguelti. O céu girava devagar. As estrelas pareciam particularmente neutras. As folhas das árvores rugiam em quatro dimensões. Estava de volta à superfície.
- Temos..., que voltar – Miguelti começou a andar – febrilmente? Diria um observador neutro – não o podemos.
- Espera! - Vivelti agarrou-o por um braço – De onde vieste?
- Vim do fim da Mina – Miguelti olhou para o seu braço agarrado por Miguelti, e depois num movimento de cabeça, para Vivelti – e tu?
- Venho – Mas Vivelti lembrou-se onde vinha. Preferiu não dizer; preferiu, porque o sítio de onde vinha, Vivelti tinha
- Temos que ajudar o Professor! – disse Miguelti, soltando-se do braço de Vivelti e caminhando de novo para a entrada da Mina; depois começou a correr – Temos de salvá-lo!
- Espera! – Disse Vivelti, atrás de si – de onde vens? Do fim da Mina! Encontraste o Tigre Azul?
- O Tigre – ! - Miguelti parou mesmo à frente da Mina, olhando para Vivelti. O Tigre Azul. O Tigre Azul, ele ia encontrá-lo, estavas prestes a vê-lo e a aparecer quando, tomado pelo pânico, começou a fugir directo, de novo à superfície. E a Mina –
- Miguelti?
, como a desfragmentação de um mosaico. Miguelti entrou na Mina como um peixe. Mergulhou nela e começou a correr de novo até ao seu centro. As paredes tremiam e agora toda a estrutura da Mina estava em risco iminente de desaparecer por completo. Vivelti ficou à superfície.
- Onde vais? Miguelti? Onde vais
- Eu vi o Tigre Azul! Vou encontrá-lo!
A destruição da Mina tinha tornado tudo tão simples, agora, para os olhos de Miguelti. Parecia saber o caminho de cor, possuía na cabeça os mapas de todas as aberturas e corredores que a Mina era. Desviou-se das galerias submersas e, entre outras aberturas provocadas pela falta de integridade estrutural da Mina, novas passagens se abriam, e Miguelti passou por elas. Corria de novo, em direcção ao centro da Mina. Afastava as rochas do seu caminho, febrilmente. Atrás de si, as galerias continuavam a cair em direcção ao centro da Terra.
- Haaarhrrrhn!
Correndo, saltou por um monte de pedras; estava perto do centro, do botão que tinha pressionado, que agora tinha já revelado o que estava por trás da parede que se tinha começado a desfazer logo quando a Mina iniciara o seu próprio fim; não passou por tendas, pontes ou abismos, seguiu em frente e quase sempre em frente, as ilusões já não presentes, as realidades – seria possível? – Submersas debaixo de água enquanto a Mina, morrendo, cessava de existir enquanto si própria como um corpo que começa a desligar todos os seus órgãos, um por um; e Miguelti corria, Miguelti corria, e aproximava-se do centro, do epicentro e gritava
- Onde está o Tigre Azul!?, Onde está o Tigre Azul!?
Saltou por uma racha entre pedras amontoadas e caiu numa galeria inferior que agora estava coberta de terra e rochas, com água pelos pés ainda a escorrer por outras aberturas no chão; continuou por um corredor descendente e passou pelo botão azul, no chão com bocados de pedra ainda agarrados a ele, e o corredor continuava; continuava, continuava em frente, tremendo quando Miguelti nele entrou, quando por ele passou a gritar Onde,
- Onde está o Tigre Azul
, Onde?, finalmente viu o fim da Mina; o verdadeiro fim da Mina; era mais uma parede, mais uma parede mas parecia-lhe ver, parecia-lhe ver algo enquanto se aproximava dessa mesma parede sem qualquer mecanismo que revelasse uma nova passagem, só um corredor numa Mina que desabava e abatia, e Miguelti chegou ao fim e atirou-se contra a parede e olhou em desespero para a parede, e gritou ainda mas uma vez, não podendo acreditar no que os seus olhos viam,
- ONDE ESTÁ O TIGRE AZUL!!
No centro da parede estava, pintada a tinta azul, a representação da cabeça de um Tigre, em pinceladas autónomas e estilizadas, Olhando-o de frente, a boca aberta,